terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Cover Baixo 03 - Novembro de 2002 - Motown - Parte 1



James Jamerson e a Motown - Parte 1
Como fã incondicional do baixo de Bernard Edwards (Chic), sempre tive a curiosidade de saber quem eram os ídolos do meu baixista preferido. Um dia nos meados dos anos 80, me caiu nas mãos um exemplar da revista americana Musician, com uma entrevista na qual o baixista contava que sua grande escola foi ouvir, nos anos 60 e início dos 70, as gravações de James Jamerson, baixista falecido em 83, que esteve presente na grande maioria das gravações da famosa gravadora Motown, de Detroit.
Segundo Allan Slutsky (tambem conhecido como “Dr. Licks”), biógrafo e responsável pelo melhor e mais completo livro sobre a vida e obra de Jamerson, Standing in the Shadows of Motown, “durante muito tempo depois de sua morte, o músico permaneceu esquecido. 99% dos baixistas do mundo não tinham a mínima idéia de quem ele havia sido ou representado”. No entanto, nos últimos anos, sua vida e música viraram alvo de artigos, reportagens, biografia e documentários para a TV”. Nada mais justo, pois ao se ouvir os velhos discos de Stevie Wonder, Marvin Gaye e Jackson 5, só para citar alguns, fica evidente a genialidade do músico. A gravadora Motown foi fundada em Detroit no final dos anos 50, pelo dono de uma pequena loja de discos, chamado Berry Gordy Jr.
Buscando dar uma cara mais pop ao seus artistas, Gordy instituiu regras de conduta aos seus contratados, sendo que todos os detalhes eram pensado para transformar seus artistas em “sucesso”. Era comum cantores e cantoras terem aulas de boas maneiras e dicção, alem de existirem estilistas criando roupas exclusivamente para eles. Junto com grandes compositores e arranjadores, a pequena gravadora acabou se transformando na primeira empresa fonográfica negra, totalmente moldada para o mercado pop e consequentemente, numa potência em poucos anos. A primeira fase da gravadora teve como auge o período de 63 a 66, quando dezenas de canções ingênuas e românticas invadiram as rádios e TVs do mundo com uma força nunca vista antes. Nessa época, junto aos Funk Brothers -como era conhecido o principal time de músicos da Motown- Jamerson contribuiu (e muito) para tornar a Motown o sucesso que foi. Porem, a grande revolução que ele causou com seu baixo, começou a partir de 67, quando desabrochou o talento do produtor, arranjador e compositor Norman Whitfield. Até aonde se sabe, Norman acabou por influir indiretamente na maneira de Jamerson tocar.
Já um pouco cansados de gravar o que consideravam “futilidades”, artistas como Marvin Gaye e Stevie Wonder partiram com o total apoio de Norman, para discos com concepções mais “adultas” e, ao mesmo tempo, mais suingadas. A partir dessas mudanças, o gênio do baixista veio à tona. Seu trabalho em canções como “For Once in My Life” e “I Was Made to Love Her” (de Stevie Wonder), “Ain’t No Mountain High Enough” (Diana Ross), “Cloude Nine” (Temptations) e “What´´s Going On” de Marvin Gaye entre tantas outras, são prova de seu talento e criatividade.
Pode-se dizer muitas coisas sobre o estilo de Jamerson. Afinal, como diziam seus colegas de banda, com um Fender Precision na mão, ele podia tudo. Às vezes em cima de harmonias extremamente simples ele buscava caminhos inusitados, usando muito as sextas e sétimas notas dos acordes. Suas divisões fizeram história. Ele utilizava semicolcheias e pausas abruptas, mudando radicalmente a intenção das músicas e raramente tocava a mesma linha de baixo nos shows. Sua capacidade de improvisação era assombrosa. Buscando exemplificar seu estilo, transcrevi no exemplo 1, um trecho do sucesso “I Was Made to Love Her” que serve para se demonstrar outra de suas características, o cromatismo (notas de passagem) e uso de semicolcheias.
Para escutar:

Uma singela homenagem a James Jamerson: Music4U2B - "The Motown Sound".

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Cover Baixo 02 - Outubro de 2002 - A Stax



O Som de Memphis
Sempre que pensamos em Memphis, a figura de Elvis Presley nos vem à cabeça, já que a cidade é a capital mundial da “elvismania”. Lá, você pode visitar Graceland, (a ex-residência do rei) ou então conhecer e até gravar no histórico Sun Studios. Só que a provinciana capital do Tennessee guarda outros tesouros a serem descobertos, principalmente pelos fãs do soul . Memphis é a terra da “Lady Soul” Aretha Franklin e no início, dos anos 60, foi a sede de uma dezena de gravadoras responsáveis pelo o que de mais visceral e autêntico aconteceu na história da black music. Alguns desses selos eram financiados pela poderosa Atlantic Records, inclusive o maior deles, que foi a Stax.
Fundada em 1959, a Stax contava em seu casting com nomes como Otis Redding, Carla Thomas, Wilson Pickett, Bar-Kays e Isaac Hayes, entre outros. A parceria com a Atlantic rendeu álbuns memoráveis e se estendeu também às duas subsidiárias que a Stax possuía, a Volt e Atco. O soul de Memphis, mais precisamente o da Stax, era caracterizado pela valorização do que se pode chamar de “som de raiz”, isto é, enquanto a maioria das gravadoras norte-americanas procurava sofisticar arranjos e harmonias, a Stax buscava cada vez mais realçar a essência e a simplicidade de sua música. Um dos segredos desse sucesso estava na maneira como as gravações eram conduzidas. Ao contrário da Motown, a Stax não contava com a colaboração de grandes arranjadores, quase sempre as músicas eram compostas dentro do estúdio, de maneira informal e com pouquíssimo tempo.
O que poderia parecer, a princípio, uma deficiência de produção, acabou por se tornar sua marca registrada. Ainda assim, essa aparente “crueza” fez da Stax a única gravadora a fazer frente à Motown em sua época de ouro. De 61 a 68, época de maior sucesso da gravadora, hits como “Midnight Hour” , “Soulfinger”, “(Sittin' on the) Dock of the Bay”, por exemplo, dispararam nas paradas de sucesso, fazendo muita gente ao redor do mundo balançar ao som da Stax.
De todos os baixistas que transitaram pelo numero 926 da Avenida McLemore (endereço do estúdio da gravadora em Memphis), Donald “Duck” Dunn foi o que esteve presente na maioria das gravações dos principais sucessos do selo. Duck fazia parte do lendário Booker T. & MG’s, ao lado do guitarrista Steve Cropper, do baterista Al Jackson Jr. e do líder da banda o tecladista Booker T. Jones. Pode-se dizer que o ruivo baixista criou, a partir das linhas clássicas de blues, uma maneira mais funky de tocar. Muito do que utilizamos hoje quando o assunto é integração baixo/ bumbo veio das experiências de Dunn junto ao seu companheiro de banda, Al Jackson Jr. O conceito de baixo e bumbo caminhando juntos (the lock) fazia a música pulsar deliciosamente dançante como no exemplo do groove de "Soul Man" da dupla Sam & Dave.
Para escutar:

Cover Baixo 01 - Setembro de 2002 - Origens do R&B


O nascimento da soul music
Foi com grande prazer que aceitei o convite de COVER BAIXO para escrever sobre uma das minhas maiores paixões: black music. Nesta coluna, tenho por objetivo não só dar dicas na execução do contrabaixo, mas também situar o baixista dentro da música negra norte-americana.
Neste primeiro encontro, abordo o surgimento e os aspectos históricos da soul music. Posteriormente, vamos mergulhar na história dos heróis do contrabaixo que ajudaram a construí-la e das diferenças de estilos do soul da Stax, Motown, Atlantic e Philadelphia International Records, quatro das maiores gravadoras dos anos 60 e 70 especializadas nesse gênero. Além disso, vocês verão aspectos do nascimento do funk e seus respectivos personagens, passando pela disco e acid jazz e de como o soul influenciou até a música popular brasileira. Então, mãos à obra!
A soul music é a combinação de dois estilos de músicas afro-americanas: o rhythm n’ blues (r&b) e o gospel. O blues, pai do r&b, originou-se nos cantos dos escravos nas colheitas de algodão no sul dos Estados Unidos há alguns séculos. Basicamente, era a forma encontrada por eles para expressar suas mazelas e sofrimentos causados pela absurda condição que lhes era imposta. Já o r&b era uma forma de tocar o blues de maneira mais rápida e com letras menos sofridas, uma música feita por negros para platéias negras, que teve o seu apogeu no início dos anos 50. O complexo quebra-cabeça que é a música americana do século XX pode tornar-se mais confuso quando se percebe que o r&b deu origem a outra forma de expressão que mudaria por completo a música pop mundial: o rock and roll. É natural que existisse uma interseção, nos anos 50, dos recém-nascidos rock e soul, por conta de os dois estilos serem, na verdade, originados do até então onipresente rhythm n’ blues.
Mas até onde se estende a fronteira do r&b e como surgiu o soul? A resposta é o gospel, um estilo de música religiosa que tem o propósito de elevar o espirito humano. Nascido nas igrejas do sul dos Estados Unidos, o gospel serviu de veículo para uma retomada de identidade dos negros por meio da religião e, conseqüentemente, de sua música. Ao introduzir elementos de gospel em suas canções, os pioneiros do estilo estavam provocando uma revolução na maneira de se expressar e também na forma de tocar dos músicos que os acompanhavam. Para quem não sabe, estou me referindo a James Brown, Ray Charles, Sam Cooke, T-Bone Walker e Jack Wilson, entre outros.
Especificamente em relação aos contrabaixistas de r&b no início dos anos 50, pode-se dizer que poucos se destacaram, e não porque não existissem músicos talentosos. Na verdade, não era usual dar créditos aos profissionais que acompanhavam a verdadeira avalanche de conjuntos vocais surgida naquela época. Além disso, as condições técnicas não colaboravam para o surgimento de grandes nomes. Muitos detalhes de arranjo, às vezes, perdiam-se nas limitadas gravações feitas, geralmente, em um único canal e, via de regra, ao vivo. Ainda assim, alguns nomes como Lloyd Trotman (da banda de Ray Charles), Abie Parker (tocava com Sam Cooke) e Roosevelt Sheffield (do The Coasters) conseguiram furar esse bloqueio imposto pela precariedade técnica. Com o advento do soul, o baixo e os baixistas passaram, aos poucos, a ter seu devido reconhecimento. Tal fato possibilitou até o aparecimento de verdadeiros superheróis do instrumento, como James Jamerson, Donald “Duck” Dunn e George “Freakman” Porter, entre outros.
Na próxima edição, o soul de Memphis e alguns de seus personagens principais serão a pauta desta coluna. Até lá!

Para baixistas fãs de soul, funk, disco, R&B e afins...





Há mais de sete anos contribuo com a Coluna Groovando na revista Cover Baixo.
Resolvi postar semanalmente, com a devida autorização dos responsáveis pela publicação, todas as colunas escritas até o número 83.
Para os que gostariam, mas por algum motivo não puderam, acompanhar estes textos, ai vão...
Apoio: Baixista.com.br (www.baixista.com.br) e Cover Baixo